Algumas pessoas nos ajudam a
formatar o que seremos no futuro. Tivemos professores e professoras incríveis em
Alvinópolis. Mas as professoras dos "grupos" é que pegavam a meninada
naquela fase em que as personalidades estavam se formando. E a minha turma no
grupo de cima foi muito privilegiada. Nossa professora foi Mariângela Rodrigues Repolês, a inesquecível
"Dona Mariângela". Ela não era uma professora tradicional. Na verdade
fugia aos padrões, era anarquista, ousada, desafiadora. O tempo inteiro tentava
nos sacudir e fazia de tudo para tornar mais divertido o ato de estudar. Pegava
músicas de cantores conhecidos e fazia paródias em sala de aula para nos falar
sobre assuntos sérios. E também nos incentivava a criar nossas canções. Posso
dizer que me tornei compositor por causa dela. Foi com ela que comecei a
esboçar minhas primeiras composições. Mas ela não ficava só na música. A Dona
Mariângela era fogo. Ela inventava moda o tempo inteiro pra manter a turma
motivada. Ela inventava peças de teatro, gincanas, brincadeiras, mas sem
nunca descuidar do conteúdo. Pelo contrário! Era didática pura. Só tirávamos notas boas e
aprendíamos brincando. Era uma bagunça
organizada, um caldeirão criativo que fez diferença na minha vida e de muita
gente. Depois que saímos do grupo e ingressamos no colégio, perdemos o
contato como alunos, mas tempos depois fui frequentar a casa dela de uma
maneira muito peculiar: tínhamos uma turma que adorava fazer serenatas pela
cidade e quando passávamos pela rua nova, sabem o que acontecia? Ela abria a
janela e chamava a gente pra sair do frio e cantar dentro de casa.Repolês saia
com a cara amassada, mas acabava tomando umas com a gente também. Difícil era
ir embora.
Dessa época nunca vamos nos esquecer de tomar cachaça de arroz, que
ela e Repolês trouxeram de uma viagem a Quito, no Equador. Subia 200 vezes mais rápido.Essa convivência só aumentava minha admiração por aquela pessoa que nunca
consegui parar de chamar de Dona Mariângela. Acho que foi a primeira pessoa
moderna que conheci, mulher de cabeça aberta, sem medo. Diferente das
mulheres da época, dizia o que tinha vontade, mas agia de uma forma tão bem
humorada que desarmava os espíritos mais tradicionais. Ela naquela época já manifestava
sua paixão pelo idioma espanhol e começava a escrever poesias na língua de
Cervantes. Com o tempo foi refinando sua escrita e tem um belo acervo de poesias, algumas publicadas em antologias, sites e jornais(falta um livro inteiro só com as obras dele). Hoje em dia ela se dedica a ensinar espanhol voluntariamente para
algumas pessoas e claro, do alto de sua sabedoria, zela pelas suas obras
maiores nessa terra, que são os filhos encaminhados (só pessoas de cucas
legais como os pais) e acho que deve ficar bem feliz quando fica sabendo que
seus alunos estão brilhando nesse mundo de Deus. Dona Mariângela é uma pessoa inesquecível, uma Alvinopolense de imenso valor.
A cachaça de Quito vinha nessa garrafa |